terça-feira, 31 de julho de 2012

Explorando as cores e o pontencial criador da terra...


Já faz algum tempo, antes mesmo do projeto acontecer, que a arte educadora Vania coleta e coleciona amostras de terra para o trabalho com as crianças na instituição. Quando entramos pela primeira vez na sala de artes da instituição - espaço que coordena - encontramos várias garrafas plásticas descartáveis e incolores cheias de terra e dispostas nas prateleiras da sala. Este fato nos deixou maravilhados, entusiasmados e empolgados a imaginar quantos propostas poderiam emergir daquela coleção. Quantas cores! Vermelho, amarelo, ocre, marrom... quanta inspiração! Percebendo nossa curiosidade, Vania possibilitou que víssemos bem de pertinho – como dizem as crianças –, não apenas os diferentes tipos de “terra engarrafada”, como também grandes pedaços/torrões dessa materialidade. Alguns deles bastava ter entre os dedos para que se quebrassem, esfarelassem, transformando-se em terra fininha, parecendo farinha. Outros pareciam pedras, só derrubando no chão para quebrar! Além disso, soubemos que ela registrava fotograficamente os lugares onde apanhava as diferentes terras para que as crianças e professores(as) pudessem conhecer os aterros e barreiras, suas dimensões e diversidade de cores de terra que ali encontrava. Esta coleção fez parte de uma das atividades desenvolvidas com os bebês. No entanto, antes de contarmos esta história, os convidamos a conhecer alguns destes lugares e parte da coleção da Vania.


Como falávamos anteriormente, a coleção e o trabalho da Vania nos instiga a pensar sobre as infinitas possibilidades de construção de um trabalho artístico com as crianças e as terras advindas de aterros. Do mesmo modo, nos impulsiona a pensar sobre as relações entre as crianças, o colecionador, o ato de colecionar e as próprias coleções. As crianças, a partir de uma certa idade - considerando também o contexto social e cultural em que está inserida -, assim como a Vania, também gostam de colecionar "coisas". Colecionam os mais variados objetos e materialidades sendo que a organização das "coisas" que compõem suas coleções, muitas vezes expressam com toda a força a tensão identificada por Walter Benjamin (1995, p.228) quando fala da existência do colecionador que, segundo ele, "é uma tensão dialética entre os pólos da ordem e da desordem". Este pensamento filosófico nos permite ir mais fundo na reflexão, pois a partir dele podemos traçar possíveis caminhos para compreendermos as relações, os significados e sentidos que as crianças atribuem as coleções (as suas e de outros).

[...] a uma relação muito  misteriosa com a propriedade [...]; a seguir: a uma relação com as coisas que não põe em destaque o seu valor funcional ou utilitário, a sua serventia, mas que as estuda e as ama como o palco, como o cenário de seu destino. O maior fascínio do colecionador é encerrar cada peça num círculo mágico onde ela se fixa quando passa por ela a última excitação - a excitação da compra. (BENJAMIN, 1999, p.228)

Benjamin (1999) aponta para o fato de que o colecionador não coloca em destaque o valor funcional ou utilitário dos objetos colecionados, mas os estuda, os ama, cria um círculo mágico ao seu redor no qual encerra seu fascínio, seu destino. Para muitas meninas e meninos presentes nas instituições públicas de Educação Infantil em nosso país, a compra do objeto a ser colecionado não faz parte das suas primeiras  "experiências de colecionadores". No entanto, a procura, a disputa pela posse pela tampinha, pedrinha, folha de árvore, figurinha ou graveto - e mesmo todos eles numa mesma coleção - podem configurar a última excitação de que fala o filósofo até, é claro, que a criança saiba ou visualize um novo elemento que poderia fazer parte de sua coleção. Quem já não percebeu a felicidade de uma criança, o brilho no olhar fixo diante da sua própria coleção, seja ela qual for e do tamanho que for? Quantas vezes não presenciamos adultos perplexos com as ações e coleções infantis e a indagar: porque você guarda isso menino(a), não serve prá nada! Ou mesmo, quantas vezes encontramos as crianças brincando, sonhando nestes "círculos mágicos" ou buscando desvendar o mistério dos objetos colecionados? Diante destas considerações caberia perguntar: como vão as coleções infantis em nossas creches e pré-escolas? Como as crianças se relacionam com elas? Como nós, adultos, lidamos com tais coleções? Elas fazem parte de nossas proposições pedagógicas? De que modo? Quando? Como? Que coleções há na instituição organizadas pelos adultos e como elas subsidiam - ou poderiam subsidiar - o trabalho artístico com as crianças?

As crianças pequenininhas que hoje atuam diretamente no projeto ARTE NO MURO ainda não possuem suas próprias coleções, mas são instigadas a conhecer muitas coleções e explorá-las de diferentes formas. Considerando que o foco de nosso trabalho com os bebês é a exploração, experimentação e criação com a terra/barro, a coleção da Vania possibilitou instigá-los a conhecer, identificar, explorar as diferentes cores e consistência de terra. Ao mesmo tempo, serviu como matéria base e como um instigante convite às primeiras coletas de terra dos bebês, mas não com o objetivo de colecionar em si, pois os interesses das crianças nesta faixa etária concentram-se na ação direta, corpórea e sensível sobre o mundo e suas materialidades. Assim, as crianças pequenininhas a partir da coleção de "terras engarrafadas" da Vania foram desafiadas a experimentarem, criarem com a terra em densidade e viscosidade muito diversa aquela que lhes foi apresentada no início do ano, empregando instrumentos e suportes diferenciados. Como iniciamos esta proposta com os bebês? Com diálogos, observações e explorações direta das crianças!

 
Vania: Crianças, vocês querem ver minha coleção de terras? Está caixa está pesada prá caramba, carregar barro não é fácil não, é bem pesado. Vejam, tenho uma caixa cheia de potinhos com barro, barros de muitos aterros e de muitas cores. Sabe como consegui tudo isto? Onde avistava uma cor de barro diferente e que chamava minha atenção eu parava prá pegar. Pegava um pouquinho de barro para minha coleção, assim formei minha coleção de terras... terras de todas as cores.
- Vânia, queres ver que lindo é lá na barreira”, dizia o dono da barreira para mim, quando observou eu fazendo muitas fotos de um aterro, uma coleção de fotos registrando nuances de cores ali presentes .
(excerto do registro escrito do dia: 14/04/2012.
Autora: Vania)
 
 Crianças  - do grupo da professora Lígia - conhecendo, bem de pertinho, 
a coleção de terra da Vania.

 
Após conhecerem, mexerem nas terras coletadas pela Vania as crianças pequenininhas, como geólogos(as)/exploradores(as), foram convidados pro sua professora Lígia a descobrirem e coletarem amostras de terra presentes no espaço do NDI. Na continuidade, as surpresas das misturas (água + terra(s) = ?) e a descoberta da pintura com pigmentos naturais impulsionaram as experimentações infantis, as sensações, a coragem de descobrir novos traços, novas visualidades, de criar composições plásticas no mundo. Como isso tudo aconteceu? Qual foi o resultado? Acompanhem uma pequena síntese deste percurso assistindo nosso vídeo. 

 DESCOBRINDO AS CORES DA TERRA