quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Iniciando nosso diálogo

Circulando pela cidade, entre ruas e calçadas, vejo muros velhos e desbotados, alguns repletos de folhas verdes com trepadeiras de todas as espécies... Neste caminhar, também encontro muros grafitados, pichados outros tantos rebocados de cinza! Cada um deles - com suas cores, imagens, rachaduras etcetal - acabam por me contar uma história... Ou mesmo me instigam a criar histórias do mesmo modo daquela brincadeira de ver figuras nas nuvens do céu que tanto fortalece a nossa imaginação criadora! Essa história parece mesmo coisa de crianças, isto porque elas adoram criar histórias, encenar histórias, desenhar histórias em qualquer suporte/superfície... Parece que elas fazem isso o tempo todo! E os muros das instituições de educação infantil, que histórias contam? Como abrigam e impulsionam a imaginação e a criação das crianças?



Em alguns casos – ufa! Ainda bem que não é a maioria -, os muros de creches e pré-escolas - no seu exterior ou interior - (re)contam histórias repletaa de imagens “pré-fabricadas”, como dizia Italo Calvino. Saltam aos olhos cores padronizadas, o personagem Bob Esponja, bonequinhas e carrinhos estereotipados, sem falar nos desenhos clássicos da Walt Disney. Em outros tantos muros da cidade parece que apagaram a palavra no muro, a poética, a autoria e a alegria. “Só ficou no muro tristeza e tinta fresca... Nós que passamos apresados”, como diz a canção Gentileza de Marisa Monte, deixamos de percebê-lo e ocupá-lo de forma criativa e artística. Deixamos de ver os muros como telas a céu aberto. Telas acolhedoras de olhares múltiplos, porque não é exigido pagamento para que, diante das visualidades que carregam, tenhamos experiências de apreciação, de prazer estético ou rechacemos o que nelas foi escrito, desenhado, pintado, colado. Ao perceber os muros apenas como estruturas delimitadoras de metragens territoriais, deixamos de perceber seus potenciais como suportes de visualidades construtoras e instituidoras de identidades, de poéticas e tantas outras possibilidades. Ver os muros existentes na complexidade urbana, ou de forma mais focal, aqueles existentes na complexa estrutura de uma instituição de Educação Infantil enquanto telas para as criações artísticas de adultos e crianças é também percebê-los como suportes expressivos da dinâmica relação dos sujeitos com seu em torno.



Dentro desta perspectiva e a partir da observação, registro e discussão sobre o cotidiano e a estrutura o NDI, percebemos (a equipe do projeto e a direção do NDI) os muros de divisa do NDI com a comunidade como sendo um espaço pouco convidativo e promotor de experiências estéticas, de maravilhamento, ludicidade e imaginação, da construção de identidades artístico-culturais e de autorias. Simultaneamente a esta percepção, emergiram os primeiros movimentos na direção de construir propostas artísticas com o intuito de aproveitar a superfície do muro como suporte para a ampliação das experiências e da produção artística de crianças, artistas e profissionais do NDI.

















Imagem: ensaios para a pintura sobre o muro do NDI
Técnica: desenho com giz de cera e canetas hidrocor sobre papel branco
Autora: Rosa 6 anos de idade  (Grupo 6A)
Orientação: Vania Broering, Rafael Lemmas e Sônia Jordão
Registros: Gabriela S. Vazquez
Data: agosto de 2011.
Imagem: ensaios para a pintura sobre o muro do NDI
Técnica: desenho com giz de cera sobre papel branco
Autor: Felipe 6 anos de idade (Grupo 6A)
Orientação: Vania Broering, Rafael Lemmas e Sônia Jordão
Registros: Gabriela S. Vazquez
Data: agosto de 2011.
Refletir sobre as possibilidades de Riscar, desenhar, pintar, colar, grafitar sobre os muros da instituição nos levaram ao encontro com artistas de estilos diversos e que têm os muros da cidade como “suas telas” expostas ao sol e a chuva, aos olhares de quem passa devagarzinho ou apressado. Igualmente nos instigou a iniciar pesquisas e a refletir sobre os meandros da arte urbana, assim como as marcas infantis nas paredes das moradias das crianças e outras superfícies que elas acabam encontrando para se expressar. Um caminho que nos levou a valorizar os traços, rabiscos e figuras de meninos e meninas de pouca idade sobre suportes que rompem com a “ditadura” da produção gráfico-plástica sobre papéis no interior das instituições de Educação Infantil. Do mesmo modo, nos conduziu aos primeiros estudos sobre a produção artística das crianças, como a encontrada e analisada em meados de 1887 em Bologna-Itália, por Corrado Ricci (1858-1934)[1], nas paredes do pórtico que o conduzia a Melonciello, logo abaixo da produção feita por adultos; por fim nos remeteu as observações e a paixão de Franz Cizek (1865-1946)[2] pelas crianças que desenhavam em um muro em frente à sua sala em Viena, e toda sua defesa de uma proposta diferenciada para a época de arte educação para a infância.
Imagem: grafite no muro da cidade – postado sem a identificação do artista
Acesso: 15/08/2011
Hoje, possibilitar de forma intencional que as crianças criem, inventem, deixem suas marcas nos muros de creches e pré-escolas, que dialoguem de forma ética, plástica e lúdica entre si e com artistas; que descubram, por exemplo, os meandros da arte contemporânea na linguagem do grafite, é promover entre elas uma sensibilidade estética, um conhecer sensível. Simultaneamente, é instigar as forças da imaginação criadora na infância, assegurar a liberdade de expressão, de intervenção poética das crianças no e sobre o mundo.
 Imagem: ensaios para a pintura sobre o muro do NDI

Técnica: pintura com tinta guache e pincel sobre papel pardo fixado numa parede externa do NDI

Autores: meninos e meninas do Grupo 6A e 6B (5 a 6 anos de idade)

Orientação e Registros: Vania Broering, Gisele Day e Pricilla Trierweller

Data: agosto de 2011.

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 [1] RICCI, Corrado. L’arte dei bambini. Roma: Armando, 2007.

[2] RUSSO, Lucia Pizzo. Disegno infantile storia teoria pratiche. Palermo: Aesthetica Edizioni, 1988.